Os Fantasmas do Teatro Amazonas

O Teatro Amazonas, símbolo maior da cultura manauara, guarda em suas paredes não apenas história, música e arte — mas também ecos do inexplicável. Histórias de fantasmas circulam há décadas pelos corredores, palcos e camarins desse templo cultural.
E mesmo que não se acredite em aparições do além, é impossível ignorar o peso poético e simbólico desses relatos que, geração após geração, continuam vivos — ou quase.
Minha inspiração para revisitar esse tema nasceu ao reler um artigo instigante de Márcio Souza, que por sua vez colheu parte desses relatos em conversas e vivências dentro do próprio teatro. Um exemplo emblemático é o da atriz Glauce Rocha, que em 1965 teve o ensaio de sua peça interrompido por um grito de horror.
Um assistente de palco argentino havia descido ao subpalco e se deparado com um cavalheiro em trajes do século XVIII, que simplesmente desapareceu através da parede após uma reverência educada. O administrador da época, sem titubear, disse:
— “Claro que há fantasmas aqui. Toda ópera que se preza tem o seu.”
E assim, como nas grandes óperas, o Teatro Amazonas tem o seu elenco etéreo. Entre eles, destaca-se o espírito de um ator italiano que morreu de malária em 1912, eternamente trajando o figurino da peça.. A Dama das Camélias, onde interpretava o pai de Armand. A pianista Gerusa Mustafa teria sido ovacionada por ele durante um ensaio, gesto que fez com que ela jamais tocasse sozinha ali novamente.
Mas o teatro não abriga um único espírito errante. Segundo o poeta Farias de Carvalho, ali vive uma trupe completa: cantores, músicos e regentes que teriam sucumbido às doenças tropicais ou à própria intensidade da vida boêmia da Belle Époque amazônica.
Todos os anos, no dia 31 de dezembro, esses fantasmas encenariam La Gioconda com maestria e emoção, sob a regência dos falecidos maestros Benário Civelli e Genivaldo Encarnação. Este último, morto tragicamente ao tentar defender uma dama da noite, é, dizem, o mais apaixonado regente do além.
Diante disso, em 1973, quando o Teatro Amazonas passou por uma grande restauração, o grupo teatral TESC, preocupado com o “desalojamento espiritual” dessas presenças, encenou à meia-noite uma homenagem em seu pequeno teatro do SESC. E convidaram os fantasmas a se abrigarem lá enquanto durassem as obras. Eles aceitaram — ou assim acreditam os que passaram a ouvir música no vazio, sentir presenças sutis e ver velas acesas sozinhas no palco.
O ator Moacir Bezerra, inicialmente cético, mudou de ideia após um encontro inexplicável. Ao subir nos urdimentos para ajustar varas de cenários, ouviu um violão, depois uma bateria, e desceu ao palco apenas para encontrar uma vela acesa e ninguém mais.
Ao perceber que tinha a única chave do lugar, compreendeu a sutileza do mundo espiritual e, em respeito, recitou um monólogo de Hamlet. Os fantasmas, afinal, merecem seu momento de palco.
Entre o real e o imaginário
O Teatro Amazonas não é apenas um marco arquitetônico — é também um relicário de memórias e emoções. Fantasmas? Talvez. Ou apenas a arte recusando-se a morrer, mesmo quando seus artistas já partiram.
A verdade é que poucos lugares no mundo possuem tamanha carga histórica, simbólica e sensorial. Seja verdade ou fantasia, os fantasmas do Teatro Amazonas continuam a nos lembrar que a arte, assim como o espírito humano, é eterna.
Fama Amazônica — Onde a Amazônia encontra a arte, a memória e o mistério.
por Almir Souza Redator
Fonte Redação Fama
Foto AAS