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Contos e lendas da Amazônia por Almir Souza

O nome Amazônia, inspirado nas guerreiras da mitologia grega, sempre intensificou o imaginário coletivo. O eco de sua grandiosidade ressoa em lendas que cruzam gerações, alimentando sonhos de aventureiros e poetas.

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Quem nunca sonhou em voltar à origem da vida do nosso planeta? A simples menção da Amazônia evoca a imagem de um rio imenso e fascinante, serpenteando como uma artéria viva em meio ao verde eterno. Lá, árvores gigantes estendem suas copas como catedrais naturais, guardando sob sua sombra histórias e segredos. Animais magníficos e surpreendentes povoam o cenário, tão reais quanto as lendas que os cercam, tornando a floresta um mosaico de mistérios e belezas.

A Amazônia é um santuário da natureza e da cultura, um local onde o mito e a ciência se entrelaçam, onde a força das guerreiras lendárias ecoa no ciclo da vida e na resistência desse paraíso verde.

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O verdadeiro encanto da Amazônia não reside em seus superlativos, mas nas experiências simples e profundamente humanas que revelam a dimensão lendária deste território.

É deslizar suavemente em uma piroga pela floresta alagada, onde a água reflete o céu como um espelho infinito, enquanto o som dos remos corta o silêncio ancestral. É encontrar repouso em uma rede pendurada entre árvores centenárias, sentindo o pulsar da floresta ao redor. É despertar com o grito distante e primitivo do macaco bugio, como se ele convocasse a alma da floresta para um novo dia.

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É, acima de tudo, mergulhar nas tradições indígenas, ouvindo suas histórias, aprendendo suas danças e entendendo o significado de sua relação harmoniosa com a terra e os espíritos que nela habitam. A Amazônia vive em cada detalhe, em cada folha que balança, em cada olhar que cruza o nosso.

São essas experiências que transformam o visitante, fazendo-o perceber que a verdadeira grandiosidade da Amazônia está na simplicidade de sua vida e na profundidade de sua alma.

Viajando em meu barco regional, logo alcancei as águas de Anavilhanas. Sentado na proa, um velho caboclo, com o olhar perdido no horizonte, parecia estar em comunhão com a própria floresta. Bastou um aceno e, como velhos conhecidos, começamos a conversar. Não demorou muito até que ele se perdesse em histórias, cada uma mais encantadora que a outra, como se a Amazônia inteira desfilasse diante de nós em palavras.

Falou do boto encantado, aquele que, em noites de festa, se transforma em um galante jovem de chapéu branco para encantar as moças. Evocou Macunaíma, o herói preguiçoso, cuja jornada reflete a alma do Brasil. Lembrou o Boitatá, a serpente de fogo que protege os campos e rios dos maus espíritos, e a Caipora, que vigia a floresta e pune quem dela abusa.

E ainda falou do Uirapuru, o pássaro mágico de canto único, que faz a floresta inteira silenciar para ouvir sua melodia. “Escutar o Uirapuru é um sinal de sorte, meu filho”, disse ele, com um sorriso cheio de mistério.

Cada conto era uma janela para o mundo mítico que se mistura à realidade no coração da Amazônia. E ali, entre o som do motor do barco e o farfalhar das folhas ao longe, percebi que, na Amazônia, o fantástico e o real dançam juntos em uma harmonia ancestral, tornando o ordinário extraordinário.

Viajando umas léguas a mais, o rio parecia crescer em mistério e em grandeza. Foi então que aportamos em um lugar onde o Amazonas quase parecia chegar ao fim, espalhando-se em braços preguiçosos e confundindo-se com o céu. Ao lado, florestas tão altas que pareciam tocar as nuvens, e eu, tomado pelo silêncio e pela vastidão, me perdi em devaneios.

As copas imensas formavam uma muralha verde, guardiãs de segredos que o homem jamais ousaria desvendar. Imaginei os espíritos da floresta dançando entre as árvores, invisíveis mas onipresentes. Talvez fosse ali que o Curupira, com seus pés virados, guiava os viajantes incautos a se perderem em sua terra encantada.

Pensei nos povos antigos, que ali viviam em harmonia com a selva, seus rituais ecoando pelos troncos imensos. Quem sabe, ao cair da noite, o som do Uirapuru fosse a voz da floresta saudando o pôr do sol, enquanto a lua iluminava histórias que jamais seriam contadas, mas sentidas em cada sopro do vento.

Aquele lugar, onde o Amazonas parecia se despedir antes de se unir ao oceano, era um portal entre o real e o imaginário. Ali, não havia limites para o que se podia sonhar, e a floresta, imponente e misteriosa, convidava a todos a serem parte de suas lendas eternas.

Enquanto admirava o horizonte, vi que uma canoa simples se aproximava, deslizando sobre as águas tranquilas. Nela, um velho indígena, com os olhos marcados pela sabedoria do tempo, carregava em sua expressão o peso de histórias antigas e sagradas. Ele remava devagar, como se a própria floresta o guiasse. Quando chegou perto, trocamos um cumprimento silencioso, e ele, com um sorriso sereno, disse estar em busca de presentes da natureza — talvez frutos, talvez histórias a compartilhar.

Sentado ali, à sombra das árvores que se inclinavam sobre o rio, o velho começou a narrar a lenda da Cobra Grande, a Boiúna, senhora das águas.

“Esse rio que agora parece calmo já foi dominado por ela,” disse ele, apontando para o Amazonas como se visse algo além do que eu poderia compreender. “A Cobra Grande não é apenas um animal; ela é o espírito das águas, que controla o destino de quem se aventura por aqui. Dizem que, quando a lua cheia se reflete no rio, ela aparece, enorme, como uma sombra que atravessa as correntezas, suas escamas brilhando como prata líquida.”

Ele contou que a Cobra Grande, embora temida, era também uma guardiã, protegendo a floresta dos invasores e punindo aqueles que desrespeitavam a natureza. “Há quem diga que ela pode assumir a forma de uma mulher belíssima para enganar os desavisados. Outros acreditam que suas aparições anunciam mudanças — boas ou ruins.”

Enquanto ele falava, senti o rio ganhar vida. Era como se as águas sussurrassem, confirmando cada palavra. E naquele instante, percebi que, na Amazônia, a fronteira entre o real e o mítico é tão fluida quanto as águas do próprio rio. Eu o velho indígena saimos pra pescar, ele remava devagar, a canoa balançando levemente ao ritmo das águas, ele continuou a narrar. Desta vez, falou de Yara, uma guerreira indígena cujo destino se entrelaçou com a magia das águas.

“Yara era forte e destemida, a mais valente de sua tribo. O pai dela, o chefe, não escondia o orgulho e frequentemente a elogiava na frente de todos. Mas o amor do pai despertou a inveja dos irmãos, que, dominados pelo ciúme, decidiram tirar-lhe a vida enquanto ela dormia,” contou ele, os olhos fixos na linha do horizonte.

“Mas Yara era hábil e ágil. Mesmo sendo atacada, conseguiu se defender e, na luta, acabou matando os irmãos. Ao perceber o que havia feito, temeu a ira do pai e fugiu para a floresta, buscando refúgio entre as árvores e os rios.”

A voz do velho baixou, tornando a história ainda mais envolvente. “Quando o pai finalmente a encontrou, a dor por perder os filhos e a raiva pelo ato dela o levaram a um castigo cruel. Ele a levou ao local onde as águas do Rio Negro e do Solimões se encontram, aquele lugar onde o rio parece nunca dormir. Lá, ele a jogou nas profundezas das águas turvas, esperando que o rio a levasse para sempre.”

“Mas os peixes, os verdadeiros guardiões daquele encontro mágico, tiveram compaixão. Eles a trouxeram de volta à superfície, transformando-a numa belíssima sereia. Desde então, Yara passou a habitar o fundo dos rios, surgindo à noite para encantar os viajantes com seu canto hipnotizante. Aqueles que ouvem sua melodia irresistível são atraídos para as águas, e poucos conseguem voltar para contar o que viram.”

Enquanto ele falava, olhei para o encontro das águas, tentando imaginar Yara emergindo das profundezas, metade mulher, metade peixe, com olhos que refletiam as estrelas e um canto que fazia o próprio rio suspirar. Na Amazônia, as águas não são apenas um caminho; são um espelho da alma e um portal para o eterno.

Depois de ouvir tantas histórias, cada uma mais viva e cheia de mistério que a outra, resolvi deitar na minha rede para descansar. O balanço suave, acompanhado pelo som das águas e o canto distante dos pássaros, parecia um convite para me perder nos sonhos.

Enquanto fechava os olhos, as imagens das lendas se misturavam na minha mente: o brilho das escamas da Cobra Grande, o canto hipnótico de Yara, os pés virados do Curupira correndo pela mata. Era como se a floresta inteira estivesse viva ao meu redor, dançando ao ritmo do vento que atravessava as árvores.

Não sei dizer ao certo quando o sono me venceu, mas foi profundo e cheio de cores. E, ao acordar, só restaram as histórias para contar. Talvez fosse a Amazônia sussurrando em meu ouvido, dizendo que algumas coisas não se devem guardar, mas sim compartilhar, como um presente da floresta para o mundo.

E ali, enquanto o sol nascia e os primeiros raios iluminavam o rio, percebi que, mais do que um lugar, a Amazônia é um estado de espírito, um território onde o real e o imaginário convivem em harmonia, esperando por aqueles que ousam sonhar.

por Almir Souza-Redator Hacker Free Lancer
Fonte Redação Fama
Foto AAS

Almir Souza

Aqui Amazônia Acontece

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